quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Série - Textos longos: Verde mas pouco

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Era uma vez um recibo “verde”, “verde” só no adjectivo feito apelido, vivendo em constante angústia. Essa angústia tinha causas diversas, grande parte delas relacionadas com um Gigante. Ao contrário do que possam já imaginar, não se trata de algo enorme em altura. Não, decididamente não. É, sim, algo enorme em profundidade: um buraco gigantesco, dantesco, grotesco… Qual Golias dos tempos modernos!
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O recibo “verde” vivia e trabalhava num país à beira-mar plantado, não interessa o nome (fica ao vosso critério imaginá-lo). O seu “ganha-pão” diário era feito, cada vez mais, de uma panóplia de sacrifícios de cores e feitios. Aliás, por um lado, as cores tendiam para tonalidades mais escurecidas e, por outro, os feitios eram progressivamente mais definhados e pontiagudos. Sacrifícios, esses, para alimentar a gula do referido Gigante que, com isso, em vez de realizar uma dieta salutar aumentava a sua avidez e o seu estado insaciável. Ou seja, muito distante do estado socialmente aceitável e de sã convivência.
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Por mais leis que se fizessem, por mais códigos que se publicassem, por mais impostos que se pagassem, a factura era sempre paga pelo recibo. Que não tinha direito a almoços grátis! Isso era só para alguns “não recibos”… Assim, não é difícil de imaginar, o Gigante ganhava profundidade e largura a um ritmo assustadoramente voraz. Nem a mais imaginativa campanha publicitária ou truque de ilusionismo embelezaria tal “gigantismo”, embora houvesse quem acreditasse nisso…
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O recibo “verde” perdeu, gradual e miseravelmente, a esperança legítima de independência, transformando-se numa cor mais acinzentada. Por muita vontade que tivesse no contrário, os abusos a que era sujeito tornavam o recibo refém da precariedade e consequente marginalização. O Gigante, aproveitando-se da sua força desmesurada, arrastava o recibo para uma de duas situações: ou fugia desse país metamorfoseado num abismo; ou agravaria a sua dependência eunuca de direitos face aos interesses sórdidos do Gigante e seus cúmplices.
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Nota final: este texto foi publicado aqui, blogue Delito de Opinião.
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